O “interesse direto e pessoal” como pressuposto da Legitimidade Ativa

Encontramos no art. 9.º/1 do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) o princípio geral da legitimidade ativa no processo administrativo que define que poderá ser autor do processo só quem alegue ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito. No entanto, quando falamos de ações administrativas especiais, e no âmbito desta análise, quando falamos de ações de impugnação, a legitimidade ativa exige que nos casos em que haja um interesse individual, ou seja, um interesse específico do autor este alegue “ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” conforme a redação do art. 55.º/ 1 al. a) do CPTA. Existindo aqui um alargamento do âmbito deste pressuposto processual bastando alegar que é titular de um interesse direto e pessoal e de que este foi lesado no âmbito daquela relação.

Mas a questão não é linear, isto porque a expressão "'interesse direto e pessoal" não é auto- explicativa e levanta algumas questões. Primeiramente surge em contraposição à lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, que é apresentada no artigo como um exemplo e, assim, como uma das suas formas de concretização possível da expressão “interesse direto e pessoal”, mas não é determinante, tanto pode a impugnação resultar de lesão de interesse legalmente protegido como de um mero interesse de facto.

Desde logo, recorrendo ao entendimento do prof. Mário Aroso de Almeida, deve ser estabelecida uma clara distinção entre os requisitos do carácter "direto" e "pessoal".

Quando se fala de caráter “direto”, primeiramente, estabelece-se a exigência de requisitos de atualidade e efetividade. Ou seja, deve ser um interesse direto, um interesse atual e, por outro lado, o interesse tutelado deve ser um interesse efetivo, cabe saber se o impugnante se encontra numa situação efetiva de lesão que justifique recorrer a tutela jurídica, conforme o caso, de utilização de meio impugnatório.

Por consequência, determina a jurisprudência que deve ser feita uma apreciação ao conteúdo da própria petição inicial apresentada pelo autor aferindo as vantagens que lhe serão obtidas com a anulação do ato sendo que o interesse invocado deve consistir num benefício ou utilidade com repercussão imediata na esfera jurídica do interessado, e não num mero interesse reflexo ou mediato, contrapõe-se, assim, a um interesse meramente eventual ou hipotético.

Já o interesse “pessoal” traduz-se na utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do ato impugnado, devendo ser uma utilidade pessoal, seja de natureza patrimonial ou moral, que ele reivindique para si próprio. Não obstante de poder ser um interesse comum a várias pessoas, o interesse deixa de ser pessoal quando pertença a uma comunidade, a um grupo de cidadãos organizados, tratando-se nestes casos de interesses difusos ou coletivos, e não pessoais.

Cabe referir que, para o prof. Mário Aroso de Almeida, este interesse direto não se relaciona com o pressuposto de legitimidade processual, mas sim com o próprio interesse do impugnante em agir, e se desse interesse podemos retirar alguma necessidade à tutela judiciária.

Neste sentido, apenas o interesse pessoal seria relevante como pressuposto processual da legitimidade ativa nos termos do art. 55.º/1 al. a) do CPTA, contudo, isto não significa que não se deverá aferir a existência de um interesse direto no pedido do autor, posto que esse interesse será relevante à necessidade de tutela judiciária.

Em suma, podemos considerar que parte legítima (para efeitos do art. 55.º/1 al. a) do CPTA) é, assim, “todo aquele que retire da anulação do ato impugnado um benefício concreto - patrimonial ou moral - não contrário à lei, que direta e imediatamente se reflete na sua esfera jurídica pessoal” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Proc: 01054/08 de 29/10/2009).


Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2016

ALMEIDA, Mário Aroso de, CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017

ANDRADE, José Carlos Vieira de, Lições de Justiça Administrativa, Almedina, 2009

SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, 2013

Liane Fernandes

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