Análise do artigo 67.º, n.º4, alínea b) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos

 

Análise do artigo 67.º, n.º4, alínea b) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos

Aspetos Introdutórios

            Em matéria de condenação à prática de atos administrativos o primeiro pressuposto para que se possa deduzir o pedido é “que o interessado tenha começado por apresentar um requerimento que tenha constituído o órgão competente no dever de decidir”, à luz do n.º1 do artigo 67.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

            De acordo com os professores MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, não encontramos no artigo 67.º do CPTA todos os pressupostos para que seja possível deduzir um pedido de condenação à prática de um ato administrativo, uma vez que neste artigo apenas encontramos  o pressuposto do interesse processual, que vai depender da “existência de uma situação concretizada de incumprimento do dever de decisão por parte da Administração ou de decisão ilegal de pretensão dirigida à prática de um ato administrativo”.[1] Devemos, por isso, ter em  consideração o disposto nos artigos 68.º e 69.º, ambos do CPTA, que dizem respeito aos pressupostos processuais de legitimidade e tempestividade.

            Com a revisão de 2015, o artigo 67.º do CPTA passou a prever como pressuposto de admissibilidade, além da falta de decisão expressa de requerimento dentro do prazo legal ou indeferimento ou a recusa de apreciação do requerimento (alínea a) e b) do n.º1), as situações de incumprimento por parte da Administração de deveres de decisão que resultem diretamente da lei, sem dependência de requerimento (alínea a) do n.º4) e de prática de ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado (alínea c) do n.º1) ou que o autor pretenda ver substituído por outro (alínea b) do n.º4).

Análise do n.º4 do artigo 67.º do CPTA, em especial da alínea b)

O n.º4 do artigo em análise reconhece, em determinadas situações, que não é necessário que se apresente previamente o requerimento para que se possa pedir a condenação à prática do ato devido.

Tendo por base os professores AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, “a ação de condenação à prática de ato devido também pode ser proposta para fazer valer o direito à prática de um ato administrativo em substituição de outro que a administração tenha praticado no âmbito de um procedimento de iniciativa oficiosa”.[2]

O regime do n.º 4 constitui, assim, um desvio à regra geral, uma vez que o n.º1 prevê como pressuposto a prévia apresentação do requerimento e o n.º4  permite que se faça o pedido de condenação à prática do ato devido sem que seja apresentado o requerimento.

Ora, esta situação levanta dúvidas ao nível da interpretação.

A professora ALEXANDRA LEITÃO defende que não recai sobre a Administração, a menos que exista legislação especial nesse sentido, um dever legal de emitir um ato de substituição de outro ato administrativo de conteúdo positivo. Não existe nenhuma normal legal que imponha à Administração este dever, pelo que a professora considera duvidoso que se possa intentar uma ação de condenação à prática dos atos devidos nestes termos. Além disso, se a prática do ato de substituição não resulta de uma norma, então o tribunal não tem poderes para condenar a Administração a praticar esse ato. Deste modo, se houver legislação a vincular esse ato, a situação seria reconduzida ao que está previsto na alínea a) do n.º 4 do artigo 67.º e a alínea b) deixaria de ter conteúdo útil.

Os professores MÁRIO AROSO DE ALEMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA não apontam qualquer crítica a este artigo, parecendo aceitarem o disposto no mesmo.

Com todo o respeito pela análise feita pelos professores, subscrevo as críticas feitas pela professora ALEXANDRA LEITÃO. Com a introdução do n.º4, alínea b), permitindo que não se apresente previamente o requerimento que é exigido pelo n.º1, acaba por consumir o disposto neste número. É verdade que a primeira regra a ser apreciada deverá ser a do n.º1, na medida em que é a regra geral e o n.º4 é apenas um desvio, no entanto parece-me que o legislador se vem contradizer. Outro problema já referido prende-se com a possibilidade do ato resultar diretamente da lei e vem levantar mais questões interpretativas, pois não se consegue entender se o legislador pretendeu estabelecer que a prática do ato deriva da lei ou se é o próprio ato que resulta diretamente da lei, estando os pressupostos definidos nesta.

Em conclusão, parece-me que cabe à jurisprudência vir esclarecer este regime para esclarecer todas as dúvidas que são levantadas.

Bibliografia

-ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes. (2018). Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4ª edição, Almedina. Coimbra;

- ALMEIDA, Mário Aroso de. (2020). Manual de Processo Administrativo. 4ª edição, Almedina. Coimbra;

- LEITÃO, Alexandra (2017). Em Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA (coord. C. Amado Gomes; A. Fernanda Neves; T. Serrão). 3ª edição, AAFDL. Lisboa.

Marta Frazão Duarte 
N.º 61191, subturma 1

[1] parafraseando os professores Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha. In: M. Aroso de Almeida e C. Fernandes Cadilha. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Coimbra. 2018. p.461.

[2] M. Aroso de Almeida e C. Fernandes Cadilha. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Coimbra. 2018. p.474

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