Impugnabilidade de pareceres vinculativos, à luz do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. 0239/04
O tema dos pareceres tem sido alvo de bastantes debates doutrinários. Envolvendo não apenas a sua natureza jurídica, mas também a sua produção de efeitos no âmbito da eficácia externa. Nos casos de pareceres vinculativos, é discutível se haverá ou não possibilidade de os impugnar e especificamente a quem caberá legitimidade para o fazer, nomeadamente, nos casos em que esse parecer invocado introduza conteúdo desfavorável para os particulares interessados.
Segundo disposições do acórdão de 6 de dezembro de 2005, do Supremo Tribunal Administrativo, o parecer vinculativo poderá, de facto, ser impugnável quando possamos verificar algum tipo de lesão para os indivíduos, dada a “eficácia externa que produza”. Esta posição é acolhida também por alguma parte da doutrina, nomeadamente pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, defendendo que, de acordo com esses mesmos efeitos lesivos e imediatos na sua esfera jurídica, nunca poderia ser um ato impossível de afastar, dada a necessária tutela e proteção, acima de tudo, dos Direitos dos particulares no âmbito do processo administrativo (sendo este conceito consagrado dentro do art. 268º, nº4, da CRP).1
Atribui-se, desta forma, certas e novas garantias a estas partes, que de outro modo não existiriam. Como por exemplo, potencialidade e capacidade de preverem uma legitimidade mais alargada (legitimidade ativa prevista no art 55º, nº1, al. a), designadamente, quando invocado um “interesse direto e pessoal” lesado2), ou a suspensão de prazos graças a esse meio de impugnação no âmbito da ação administrativa.
Encontramos a previsão desta impugnabilidade destes atos administrativos no art. 51nº2 a) do CPTA, não apenas relativamente a atos finais, que ponham termo ao procedimento administrativo, mas essa realidade passa a tornar-se possível também relativamente a qualquer ato, afastando-se a ideia de definitividade horizontal. Na atualidade, o particular terá legitimidade para impugnar em qualquer momento do procedimento (devendo, contudo, ser durante a pendência desse procedimento- art. 51ºnº3 do CPTA). Contudo, esta não seria a visão dos Profs. Marcello Caetano e Freitas do Amaral, uma vez que dada a importância atribuída ao normal andamento do processo, acolhia-se o entendimento de que este ato administrativo teria a decisão final que daria termo ao processo (posição baseada no anterior procedimento de contencioso administrativo).3
A restante jurisprudência mais recente, pronuncia-se também neste sentido: a favor da impugnação direta de pareceres desfavoráveis e lesivos para o interessado.4 No entanto, esses pareceres não serão livremente revogáveis por todos. Uma vez que vinculam e condicionam os órgãos jurisdicionais de Direito administrativo, estes não poderão defender legitimidade processual para os impugnar, tal como se encontra previsto no art. 55º, nº1, d) e e) do CPTA. Apenas os particulares, que tenham a seu dispor um interesse direto e pessoal, para contenciosamente impugnar esses tais denominados “atos recorríveis”,5 dada a sua autonomia (dos atos) em termos de eficácia externa (um entendimento também adotado pelo acórdão de 6 de dezembro de 2005).
O particular lesado terá também a
seu dispor o princípio da impugnação unitária, pode impugnar ilegalidades do
parecer. Já as entidades vinculadas por eles, que de outra forma seriam
obrigadas a agir em conformidade com os mesmos, sob pena de nulidade, nos casos
de pareceres que compreendem vícios de forma, tal como é suscitado no acórdão
em apreço, isso não acontece.
Neste caso, o parecer invocado pela Câmara Municipal de Leiria a IPPAR, tinha carácter desfavorável, obrigatório e vinculativo. Contudo, por vícios de forma e por falta da adequada fundamentação, não seria válido. Não podendo assim vincular nem os particulares, nem os órgãos jurisdicionais, uma vez que estava sujeito a sanção de anulabilidade.
A deliberação da Câmara Municipal, dada a tomada de posição seguindo esse parecer, acabou por ficar sujeita ao mesmo desvalor jurídico. Não estava, por isso, perante um parecer com caracter vinculativo, não tinha dever de obediência, continuava a ter competência decisória na medida para averiguar a legitimidade formal desse parecer. A resposta correta, teria sido mandar repetir o parecer, de forma a corrigir as formalidades.
Finalizando, ainda que o parecer vinculativo já não seja mais visto enquanto ato final e decisor, dado ao facto do legislador ter procurado com as novas reformas ao procedimento administrativo, afastar o carácter “horizontalmente definitivo” do ato impugnável (art 51º, nº1, al. a) do CPTA), a sua autonomia recorrente da sua eficácia externa e possibilidade de produzir efeitos nas relações entre a administração e os particulares, faz com que seja necessário cada vez mais aceitar este fator de impugnabilidade, no sentido de os proteger no seio do Direito administrativo. Podendo-se considerar, uma das únicas exceções à vinculação e legitimidade desses órgãos quando esse parecer se trate de um ato com vícios jurídicos.
Bibliografia:
CAETANO, M.
(2017). “Manual de Direito Administrativo”. vol. II. 10ª Edição.
DE OLIVEIRA, M.
E., GONÇALVES, P., e DE AMORIM, J. P. (2010). "Código do Procedimento
Administrativo Comentado". 2ª Edição. pág. 445.
DO AMARAL, F.
(1989). “Direito Administrativo”. vol. III. Lisboa.
PEREIRA DA
SILVA, V. (1996). “Em busca do acto administrativo perdido”. pg. 705.
PINA ALVES
MOREIRA, C. M. (2018) “A aceitação do ato administrativo”. Mestrado em Direito
(Especialização em Ciências Jurídico-Administrativas).
SÉRVULO CORREIA, J. M. (1999). “Impugnação
de actos administrativos”, Cadernos
de Justiça Administrativa,
nº 16;
SOUSA, J.
(2007). “O Contencioso Administrativo dos Direitos, Liberdades e Garantias”.
Inspeção-Geral do ambiente e do ordenamento do território.
Jurisprudência:
Ac. do STA, de
14.12.2000, Recurso nº 46682, da 1ª Subsecção do CA
Ac. do STA de 30.09.2003, Proc. Nº 826/03.
Ac.s do Pleno de 16.01.2001 e de 15.11.2001, Proc.s
nºs 31317 e 37811
Rosana Ferreira, nº58322, TA, sub1
1PEREIRA DA SILVA, V. (1996). “Em busca do acto administrativo perdido”. pg. 705.
2 Sendo que, apara alguma parte da doutrina, este interesse direto e
pessoal é tido como uma posição objetivista, de “interesse de facto” enquanto
para os restantes autores, defendem importar-se de “interesse em agir”
relativamente a essa autonomia processual
3 CAETANO, M. (2017). “Manual de Direito Administrativo”. vol. II.
10ª Edição; DO AMARAL, F. (1989). “Direito Administrativo”. vol. III. Lisboa.
4 Ac. do STA de 30.09.2003, Proc. Nº 826/03; Ac.s do Pleno de
16.01.2001 e de 15.11.2001, Proc.s nºs 31317 e 37811; Ac. Do STA de 06.12.2005, Proc. 0239/04.
5 Ac. do STA de 30.09.2003, Proc. Nº 826/03; Ac.s do Pleno de
16.01.2001 e de 15.11.2001, Proc.s nºs 31317 e 37811.
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