O efeito suspensivo no contencioso pré-contratual
Em 17 de setembro de 2019 foi publicada a lei nº 118/2019, que introduz algumas alterações no código de processo dos tribunais administrativos, nomeadamente, a propósito do efeito suspensivo automático da propositura da ação de impugnação da decisão de adjudicação e à adoção de medidas provisórias (arts. 103.º-A e 103.º-B).
O âmbito de aplicação do artigo 103.º-A do CPTA foi consideravelmente restringido, limitando a capacidade de concorrentes preteridos em procedimentos de contratação pública impedirem judicialmente a celebração e até a execução do contrato adjudicado. Com efeito, a solução dada para garantir a posição das entidades demandantes – que passa pela extensão de medidas provisórias, previstas no 103.º-B, aos processos de impugnação aos quais não se aplique o n.º 1 do artigo 103.º-A – tem-se revelado insuficiente.
O Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, o legislador, revolucionando o contencioso pré-contratual urgente, determinou, nos termos do aditado 103.º-A do CPTA, que a impugnação de qualquer ato de adjudicação suspendia automaticamente os efeitos daquele ato. Assim sendo, caso a entidade adjudicante pretendesse prosseguir com a celebração ou execução do contrato, teria de requerer ao tribunal o levantamento do efeito suspensivo, nos termos do n.º 2 a 4 do artigo 103.º-A do CPTA.
Esta abordagem ampla do efeito suspensivo automático foi severamente criticada por alguma doutrina, que considerava ir muito além daquilo que era exigível pelas Diretivas Recursos. Por um lado, porque abrangia todos os procedimentos contratuais, ainda que não estivessem sujeitos ao período standstill, previsto no n.º 3 do artigo 95.º e na al.a) don.º1 do artigo 104.º do CCP. Por outro lado, porque o prazo de impugnação do ato de adjudicação (30 dias úteis) não se encontrava em harmonia com o período standstill (10 dias úteis), o que poderia levar a que houvesse uma interrupção da execução do contrato altamente prejudicial para as partes.
Para além disso, face à introdução do artigo 103.º do CPTA houve uma grande afluência de pedidos de levantamento do efeito suspensivo, tal acontecimento levou a que a tramitação durasse vários meses, em parte devido à falta de meios para satisfazer todos os processos que dão entrada na jurisdição administrativa.
De forma a resolver os problemas suprarreferidos, a lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro veio a limitar o âmbito de aplicação do 103.º-A do CPTA e a alargar o do 103.º-B.
Nos termos do artigo 103.º-A, n.º1 do CPTA, a suspensão automática dos efeitos encontra-se condicionado pela verificação de dois requisitos cumulativos. O primeiro será a necessidade de os atos de adjudicação estarem sujeitos ao período de standstill consagrado no CCP. Assim sendo, o efeito suspensivo automático só poderá operar em atos de adjudicação em procedimentos cujo anuncio tenha sido publicado no JOUE; em que tenha sido apresentada mais que uma proposta; que não visem a celebração de um contrato ao abrigo de acordo-quadro ou que tenha sido celebrado apenas com uma entidade (artigo 104.º, n.º1, al. a) e n.º2, do CCP), ou ainda em procedimentos em que não tenha sido exigida a redução do contrato a escrito ou nos quais tenha sido dispensada a redução a escrito (n.º 1 e 2 do artigo 95.º do CCP).
O segundo requisito está relacionado com o momento em que é intentada a ação de impugnação do ato de adjudicação. Torna-se necessário que a ação seja proposta no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação do ato de adjudicação a todos os concorrentes, harmonizando-se desta forma com o período stanstill do regime do Código dos Contratos Públicos.
Note-se que o prazo de impugnação permanece o mesmo, 30 dias úteis. No entanto, só se produzirão os efeitos suspensivos da impugnação se for intentada no prazo de 10 dias úteis a contar da data de notificação do ato de adjudicação.
Efetivamente, o legislador mostrou-se sensível às críticas efetuadas pela doutrina harmonizando o âmbito temporal do efeito suspensivo com o do período standstill;
Não é exigível que a entidade demandada seja citada, bastando que o ato seja impugnado pelo autor durante o período standstill. Ora, ainda que com menos regularidade, poderão continuar a haver situações em que a execução do contrato já tenha tido início. Outra consideração importante prende-se com o facto de se manter o prazo de 20 dias úteis para a entidade demandada e os contrainteressados contestarem (al. a), n.º 3 do artigo 101.º do CPTA). Sucede que, apesar de se manter o prazo de impugnação de 30 dias úteis, o autor, na maioria dos casos, irá procurar intentar a ação no prazo de 10 dias úteis, de modo a que o efeito da suspensão tenha a maior utilidade possível, até porque o 103.º-B não é o meio mais adequado para impedir a execução e celebração do contrato. Neste sentido parece ser de concluir que não houve um total respeito pelo princípio da igualdade de armas.
Numa breve nota sobre o artigo 103.º-B, é de considerar que o legislador, ao alargar o âmbito do artigo 103.º-B aos processos em que não seja aplicável o nº1 do artigo 103.º-A do CPTA, efetivamente conseguiu suprir a lacuna que existia a propósito dos processos impugnatórios de atos de adjudicação cujo efeito suspensivo tivesse sido levantado. Também não era possível recorrer ao artigo 132.º do CPTA, uma vez que as providencias consagrados no referido artigo apenas se aplicam a processos de formação de contratos não abrangidos pelo regime dos arts. 100.º a 103.º-B.
Outro ponto suscetível de critica, prende-se com o facto de o legislador não ter compatibilizado os dois regimes. Com efeito, os pedidos de levantamento do efeito suspensivo e de adoção de medidas provisórias possuem uma tramitação distinta. Para além disso, a tramitação dos incidentes de decretamento de medidas provisórias não se encontra definida legalmente, devendo ser os prazos fixados pelo tribunal, nos termos do 103.º-B, n.º2. Toda esta separação existente leva a concluir que se torna difícil uma tramitação simultânea de ambos os incidentes. Destarte, o autor não tem a possibilidade de, em cumulação com o pedido de levantamento, requerer a título subsidiário a adoção de medidas provisórias.
Por último, tendo em conta o tempo que os tribunais costumam levar a decretar medidas provisórias, é provável que, em contratos de curta duração, seja impossível obter medidas provisórias desejadas antes que o contrato tenha sido integralmente executado.
BIBLIOGRAFIA:
· ESTORNINHO, Maria João. Contencioso dos contratos de administração pública, cadernos de Justiça Administrativa, Cejur, n.º24, Novembro/Dezembro 2000
· ESTORNINHO, Maria João. Curso de Direito dos Contratos Públicos, Almedina, Coimbra, 2012
Jurisprudência:
· Acórdão do Tribunal Central Adminisatrativo Sul, processo n.º 865/20.0BELSB-S1
· Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2476/19.3BESLSB-S1
Joaquim Caiado
N.º 63434
Subturma 1
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