Comentário ao Acórdão do STA de 25/11/2015: (questão de legitimidade ativa)


É importante referir, em primeiro lugar, que possui legitimidade ativa quem alegue a titularidade de uma situação cuja conexão com o objeto da ação proposta o apresente em condições de nela figurar como autor, ou seja, quem alegue ser parte na relação material controvertida. Neste âmbito estamos perante o art.9º/1 do CPTA, que se apresenta como um critério de legitimidade ativa. Neste Acórdão, a questão principal passa pelo art.55º/1, al.a) do CPTA, que fixa como critério especial “ser titular de um interesse direto e pessoal” e é precisamente relativo a esse conceito que vou levantar várias questões.

O principal problema que aqui encontramos é o de entender o que se quer dizer quando a parte ativa alega que tem “interesse direto e pessoal” na ação. Tem legitimidade para impugnar atos administrativos quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos de acordo com o art.55º/1, al.a) do CPTA, o que significa que não é exigível a verificação da efetiva titularidade da situação jurídica, mas basta-se apenas com a alegação dessa titularidade. Com “interesse direto e pessoal” entende-se que a legitimidade individual para impugnar atos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegidos, basta apenas que, no momento em que é impugnado, estar a provocar consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de forma a que, ao haver anulação ou declaração de nulidade desse ato, lhe traga, uma vantagem direta ou imediata. 

Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, o caráter pessoal prende-se com o facto de se ter de exigir ao interessado em agir uma utilidade pessoal, isto é, que seja aproveitada por ele próprio, de modo a que possa ser considerada parte legítima sendo ele próprio o titular do interesse sobre o qual se fundamenta o processo, e por isso, entende que só o caráter “pessoal” do interesse diz verdadeiramente respeito ao pressuposto processual da legitimidade. Já o caráter “direto” consiste em saber se existe um interesse atual e efetivo em pedir a impugnação do ato. Isto quer dizer que o interesse direto deve ser apreciado em função das vantagens que o impugnante alega poderem advir-lhe da anulação do ato.

Analisando agora o acórdão em concreto, esta ação foi intentada inicialmente em 1º instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga contra o Município de Guimarães pedindo a anulação da deliberação referente àquela concreta adjudicação prescrita no caso. Esta adjudicação transmitia o direito de serviços de transportes escolares à parte contrária, prejudicando, de certa forma, a autora. Mais tarde, as contra interessadas contestaram e aí suscitaram a questão da legitimidade da autora, tendo o próprio tribunal julgado improcedente a invocada ilegitimidade da parte ativa e por isso julgou a ação improcedente. Tendo isto em conta, a autora recorreu a título principal no tocante ao mérito da ação e uma das contra interessadas interpôs recurso subordinado impugnando a legitimidade daquela, ou seja, recorreu de novo sobre a mesma questão mas já nos tribunais de 2º instância, e neste caso foi no Tribunal Central Administrativo Norte que começou por conhecer prioritariamente da questão da ilegitimidade e, julgando-a procedente, absolveu o réu da instância. Podemos assim concluir que o TAF julgou a autora parte legítima e esse entendimento foi rejeitado pelo TCA, logo, teve de se apurar  qual das duas teria suporte legal. Na verdade, vamos chegar à conclusão que o Supremo Tribunal Administrativo acabou por dar razão ao TAF, dizendo concretamente que o TCA não teria razão nos seus argumentos propostos e que a parte ativa era parte legítima na ação, no entanto, não estou de acordo com esta decisão e vou passar a explicar de seguida: Em primeiro lugar a autora não é parte legítima porque não era titular da relação jurídica controvertida na medida em que existiram vários concursos autónomos e ela apenas pretendeu a anulação da adjudicação de dois lotes em causa nesta ação; em segundo lugar ela não tinha alegado de forma consistente ter um interesse direto e pessoal na anulação do ato por força do art.55º/1, al. a) do CPTA. 

Na minha opinião, a autora não era titular da relação jurídica precisamente porque ela não era titular desse direito específico, uma vez que ela nem tinha apresentado proposta para os lotes em causa, apresentando apenas para outro lote que lhe foi atribuído por direito, ou seja, ela nem sequer criou qualquer tipo de relação jurídica e por isso não poderia estar a impugnar um ato de um objeto daquele processo em que não detinha qualquer tipo de relação jurídica. Sendo assim, faria muito mais sentido se ela por exemplo tivesse impugnado um ato relativamente ao lote referente ao qual já tinha feito a proposta e aí sim, já teria criado a relação jurídica com o objeto processual em causa. 

Relativamente ao facto de não ter ficado bem assente se ela teria um interesse direto e pessoal na ação, podemos equiparar esta questão ao tradicional problema do ato de admissão de um concorrente num concurso. Primeiramente está assente que ela teria um interesse pessoal, precisamente porque a utilidade que ela pretende obter com a anulação da deliberação é de utilidade pessoal, uma vez que ela está a fazer isso para si própria porque se apresenta como titular de um interesse em nome do qual atua processualmente. Mais controverso é a questão do interesse direto, uma vez que a meu ver ela não é titular de um interesse direto porque não se encontra numa situação efetiva de lesão que fundamente uma necessidade efetiva de recorrer à tutela judiciária através da utilização do meio impugnatório. A jurisprudência, nestes casos de concursos, entendeu que a mera admissão de um concorrente, não se lhe assegura qualquer posição na graduação final do concurso, não é direta ou imediatamente lesiva dos outros concorrentes, que podem não vir a ser por ela prejudicados e por isso não se lhes reconhece um interesse direto, isto é, o interesse processual ou interesse em agir. Aplicando isto no nosso caso, posso dizer que também concordo que aqui a autora não tenha interesse direto precisamente porque dentro de cada concurso autónomo realizado e explicado no acórdão, ela apenas participou no concurso referente a outro lote e daí se pode concluir que ela não iria sair lesada de uma coisa que ela não mostrou interesse logo deste início.

 Concluindo, podemos perceber que a autora não era de facto titular de um interesse direto e pessoal, logo, não tinha legitimidade ativa para impugnar este ato administrativo por força do art.55º/1, al.a) do CPTA. Esta falta de legitimidade tem como consequência a falta de um pressuposto processual. A falta de pressupostos processuais é tendencialmente sanável, sendo da competência do juiz promover o suprimento de da falta dos pressupostos processuais que sejam suscetíveis de sanação. Nos casos em que não seja possível ou, em todo o caso, não haja lugar a sanação, a falta de pressupostos processuais constitui uma exceção dilatória, que conduz à emissão de uma decisão de absolvição da instância, pela qual a instância se extingue sem que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa, isto é, sobre o objeto do processo. 

 

Bibliografia

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA- Manual de Processo Administrativo, Almedina 2020, 4ªedição;

MÁRIO DE AROSO DE ALMEIDA- O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina; 4ªedição;

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/71f695241093be3180257f0f004a9949?OpenDocument&ExpandSection=1

 

Ana Catarina Cavaco

Nº59161

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