A legitimidade dos terceiros no âmbito do Contencioso Administrativo

Considerações introdutórias:

Primeiramente, importa perceber no que consiste a legitimidade. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, tem legitimidade ativa “(…) quem alegue a titularidade de uma situação cuja conexão com o objeto da ação proposta o apresente como em condições de nela figurar como autor (…) e, por outro lado, possui legitimidade passiva “(…) quem deva ser demandado na ação com o objeto configurado pelo autor.” Face ao exposto, podemos perceber que a legitimidade tem estreita conexão com a situação ou relação jurídica em causa e não é possível aferi-la de forma abstrata e, como tal, podemos considerar que está aqui em causa um verdadeiro pressuposto processual.

A legitimidade tem um papel central no âmbito de qualquer processo, seja processo civil ou no contencioso administrativo. Porém, contrariamente ao que sucede, por exemplo, no Código de Processo Civil, no qual se prevê, num só preceito (artigo 30º) a legitimidade ativa e passiva, no Contencioso Administrativo há um artigo dedicado apenas à legitimidade ativa (artigo 9º CPTA) e outro à legitimidade passiva (artigo 10º).

No tocante à legitimidade ativa, o artigo 9º representa o critério comum. Porém, este é de aplicabilidade residual, tal como é indiciado pelo próprio preceito quando refere “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II (…)”. A residual aplicação deste preceito deve-se à existência de diversos regimes especiais que o derrogam, como o artigo 55º, 57º, 68º, 73º e 77º-A todos do CPTA.

Importa ainda ressalvar o facto de as relações administrativas serem complexas por serem conexas a vários sujeitos – imagine-se o caso estudado em sede de aula prática, de uma ação de impugnação de uma norma administrativa que proíbe os táxis-carrinhas de 9 lugares de prestar serviço no Aeroporto do Funchal; aqui, vão serem afetados todos os proprietários de táxis-carrinhas de 9 lugares, pelo que esta ação influenciará e será do interesse de vários sujeitos.

Introduzida a questão da legitimidade, releva, para efeitos do presente post, esclarecer o conceito de terceiro. Este é um conceito introduzido pela doutrina e pela jurisprudência e, como tal, não tem consagração legal. Como tal, o Professor Francisco Paes Marques vem definir terceiro como “sujeitos que, apesar dos seus interesses se encontrarem em conexão com certo litígio, não são partes na ação”. Posto isto, cumpre analisar a questão da legitimidade dos terceiros no âmbito do Contencioso Administrativo.


A legitimidade processual dos terceiros

No tocante à legitimidade processual dos “terceiros”, têm sido vários os critérios apontados pela doutrina para a sua aferição. Dentro deles, cumpre mencionar o critério do ato impugnado, o critério do interesse na demanda, critério do conteúdo previsível da sentença, entre muitos outros. Porém, o Professor Francisco Paes Marques considera que o modo de aferição da legitimidade dos terceiros mais adequado é aquele assente no critério do ato impugnado – que considera que a identificação dos sujeitos detentores de legitimidade deve ser feita com base no ato impugnado -; o critério da posição substantiva do terceiro – segundo o qual se deve atender à relação material do caso concreto, tendo em vista a determinação de quem são, eventualmente, os terceiros dessa mesma relação; em último lugar, temos o critério dos efeitos da sentença, segundo o qual se determina a legitimidade dos “terceiros” através de um juízo de prognose de quais as esferas jurídicas nas quais se repercutirão as consequências e efeitos da sentença.

Desta forma, podemos concluir que serão contrainteressados da ação todas aqueles que têm interesse na procedência ou não da ação, por serem direta ou indiretamente prejudicados ou beneficiados pela decisão que venha a ser proferida, ou seja, os contrainteressados estão, assim, numa relação horizontal substantiva com a entidade administrativa com a qual o autor da ação se encontra em litígio. O Professor Mário Aroso de Almeida vem também tentar elucidar o conceito de contrainteressados dizendo que são contrainteressados todos os sujeitos que viram (ou verão) os seus interesses prejudicados ou beneficiados, conforme a ação seja considerada procedente ou não.

O próprio CPTA vem, no seu artigo 57º, no âmbito da impugnação de atos administrativos, dizer que “são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”. Além desta referência, também o artigo 68º/2 do CPTA menciona os contrainteressados.

No tocante à legitimidade passiva, a questão torna-se mais complexa, pois atentando no disposto no artigo 10º/1, vemos que “cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos ao autor”. Face ao conteúdo deste preceito e tendo em conta que os contrainteressados não são parte da relação material controvertida, não parece possível equiparar, no plano material, os contrainteressados à entidade demandada no litígio.

Considerações finais

Face ao supramencionado, podemos dizer que são várias as questões levantadas face ao papel e qualificação dos contrainteressados no âmbito do contencioso administrativo, pelo facto de as decisões e atos administrativos poderem ter repercussões em múltiplas esferas jurídicas.

Importa ainda clarificar que os contrainteressados devem ser chamados à ação nos termos do artigo 78º/2, alínea b) do CPTA e detêm todos os poderes processuais conferidos às partes – poder de recorrer, nos termos do artigo 155º; poder de contestar, segundo o disposto no artigo 82º/3 CPTA.

Em suma, e seguindo o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva – que considero o mais correto -, podemos concluir que o legislador não tratou a matéria dos contrainteressados da forma mais assertiva pois, na verdade, estão em causa verdadeiras partes da relação material controvertida, face a todas as realidades e regimes supramencionados.

Deste modo, podemos dizer que esta é uma matéria que ainda tem uma vasta margem para evoluir, por forma a esclarecer as dúvidas e questões que levanta, sendo uma temática da maior relevância no âmbito do Contencioso Administrativo, por se tratar, como já foi referido anteriormente, de uma área na qual os litígios têm uma conexão com múltiplos sujeitos.

Bibliografia:

MARQUES, Francisco Paes, “Conflitos entre particulares no Contencioso Administrativo”, Almedina, 2019;

ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Coimbra, 2020;

SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Coimbra, 2020;

ANDRADE, José Vieira de, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 2019.

Joana Ribeiro Loureiro

Nº 60975 

Turma A

Subturma 1

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