O âmbito de juridição dos tribunais administrativos e o direito de mera ordenação social – Breve reflexão sobre o artigo 4º, nº1, al. l) do ETAF e o artigo 212º, nº3 da CRP
Em Portugal, ao contrário, por exemplo, do que sucede em
Espanha, há uma dualidade de jurisdições. A razão da existência dos tribunais
administrativos prende-se com a necessidade de especialização dos tribunais no
que respeita a relações jurídicas administrativas, conhecidas pela sua grande
complexidade. Contudo, não é garantido que todos os litígios de direito
administrativo terão como palco os tribunais administrativos (nem que apenas os
litigios de direito administrativo ocorram nos tribunais administrativos), é o
que sucede atualmente com a generalidade das impugnações judiciais da
Administração Pública que apliquem coimas, no âmbito do ilícito de mera ordenação
social, por violação de normas de direito administrativo em diversas áreas.
O artigo 212º, nº3 da CRP contém uma cláusula geral, que
atribui à jurisdição administrativa os processos que tenham por objeto dirimir
os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas. O ETAF, no seu
art. 4º, enumera tanto os litígios que se encontram incluídos no ambito de
jurisdição dos tribunais administrativos (nºs 1 e 2), portanto, o âmbito
positivo, como os que se encontram excluídos da sua competência jurisdicional,
isto é, o âmbito negativo (nºs 3 e 4).
O art. 4º, nº1, al. o) do mesmo diploma, adota, como
critério residual, o mesmo que a CRP: “o dos litígios que tenham por objeto
relações jurídicas administrativas”. Deste modo, impoprta esclarecer o que se
entende por relações administrativas.
Relações jurídicas administrativas são relações jurídicas
reguladas pelo direito administrativo, com exceção das relações de direito
privado em que intervém a Administração; trata-se de uma relação que é regulada
por normas de direito administrativo que atribuem prerrogativas de autoridade
ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos ou a alguns dos
intervenientes, por razões de interesse público.
O art. 4º, nº1, al. l, atribui competência aos tribunais
administrativos e fiscais para a “apreciação de litigios que tenham por objeto
questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Admnistração Pública,
que apliquem coimas no âmbito do ilicito de mera ordenação social por violação
de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera
ordenação social por violação de normas tributárias”.
Sendo a aplicação de uma coima um ato administrativo, e
tendo a administração poderes de fiscalização e de supervisão, faz todo o
sentido que a sua impugnação se faça perante os tribunais administrativos. No
entanto, o legislador limita o âmbito de jurisdição dos tribunais
administrativos às areas tributária e do urbanismo. Contra essa limitação imposta
pelo legislador, encontramos, entre outros, a autora CARLA AMADO GOMES, que
defende que a jurisdição relativa às contraordenações deveria caber aos
tribunais administrativos, explicando que, atendendo ao alargamento do número
dos tribunais administrativos, que ocorreu com a reforma de 2002/2004, já não
se justifica que tal competência se mantenha atribuída aos tribunais judiciais;
e que, além disso, é mais favorável ao arguido o regime do CPTA do que o do
RGCO, uma vez que apenas o CPTA prevê a suspensão provisoria da eficácia do ato.
De acordo com o artigo 1º do RGCO, contraordenação é
“todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine
uma coima”. A atividade de aplicação de
coimas consiste numa relação jurídica administrativa. Ora, especialista para
apreciar a legalidade do ato administrativo de aplicação de uma coima é o juiz
administrativo.
Em 2012 foi criada a Comissão de Revisão do ETAF e do CPTA,
que propôs que o artigo 4º do ETAF abrangesse, no domínio da jurisdição dos
tribunais administrativos, impugnações judiciais de decisões da Administração
Pública que apliquem coimas, no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por
violação de normas de direito administrativo em matéria de ambiente,
ordenamento do território, património cultural e bens do Estado, tal não se
veio a concretizar.
Evidentemente, o atual artigo 4º, nº1, al. l do ETAF acabou por ficar muito aquém do anteprojeto de lei e daquilo que tem sido defendido por diversos autores.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo
Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2016;
ANDRADE, Vieira de, A Justiça Administrativa
(Lições), 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2009;
MASCARENHAS, Sofia, O alargamento do ambito da
jurisdição administrativa aos ilícitos contraordenacionais/ o novo ETAF de 2015,
Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2017.
Cláudia Pacheco
Nr.º28047
Turma A, subturma 1
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