Delimitação da competência dos Tribunais Administrativos 


É, à luz do nº3 do art.212º da Constituição da República Portuguesa ( daqui para a frente CRP) , que o art.1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ( daqui para a frente ETAF ) define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios provenientes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Apesar do conceito de relação jurídica administrativa assumir aqui um papel decisivo para determinar a competência material dos Tribunais Administrativos, o nº1 do art.4º do ETAF elenca várias matérias que também se consideram da competência dos Tribunais Administrativos. O que importa saber por agora é o que define uma relação jurídica como sendo de natureza administrativa.

Entende-se por relação jurídica administrativa aquelas em que “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.


Analisando mais concretamente a alínea g do nº1 do artigo 4º do ETAF, que diz que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso”, será que a questão de “responsabilidade civil extracontratual” levanta questões que seriam, na sua generalidade, questões de direito privado e por isso seriam os Tribunais Judiciais competentes para as resolver ? Será que esta alínea torna a competência dos tribunais administrativos mais abrangente e permite que estes tribunais passem a abranger litígios decorrentes de relações que não sejam de direito administrativo?


Parece-me claro dizer que as coisas não funcionam bem assim. Os Tribunais Administrativos são, de facto, competentes, se da relação jurídica resultar uma parte privada e a outra parte for uma entidade de direito público. As ações que resultem de responsabilidade contratual de natureza privada e que sejam celebradas única e exclusivamente por agentes de direito privado devem continuar, como até então, a ser resolvidas na competência dos Tribunais Judiciais. Mas o facto de, dentro do litigio estar presente uma parte de natureza pública ou uma entidade particular que prossiga fins públicos nem sempre dá competência aos Tribunais Administrativos para resolver o litígio. Posso dar como exemplo um acórdão (10178/2007-8) que diz respeito a uma menina que entalou os dedos na estação do Pragal e mais tarde teve de ser sujeita a uma anestesia geral para que lhe conseguissem retirar os dedos do orifício e os pais (autores em representação da filha menor) intentaram ação ordinária contra a Fertagus, SA e a Refer, EP, pedindo que as rés sejam condenadas a pagar-lhes determinados montantes. A Refer, EP, enquanto ré, alegou a exceção dilatória da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, uma vez que estávamos perante uma entidade pública. No entanto, foi negado o provimento ao agravo uma vez que isso não significa que a competência dos tribunais administrativos tenha passado a abranger litígios emergentes de relações que não sejam de direito administrativo. 

 

Assim conseguimos entender e concluir que o nº1 do art.4º, alínea g) do ETAF, apesar de permitir que os Tribunais Administrativos resolvam questões de responsabilidade jurídica extra contratual, é necessário que tenham sempre por referência uma relação jurídica administrativa.

                                                                                    Ana Catarina Cavaco, nº59161 

Bibliografia:

·      DE ALMEIDA, M. A., (2020). “Manual de Processo Administrativo”. Almedina. 4ª Edição. Reimpressão

 

·     VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa (Lições), 5.a Edição, Almedina, 2004

 

     http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f1fd07a04b2bd9aa802573c90056da9c?OpenDocument

 

      https://www.e-publica.pt/volumes/v1n2a07.html#_ftn10

 

     https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_processoadministrativoii_isbn_actualizado_jan2012.pdf

 

      http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/07/05-DEBATER-A-competência-dos-Tribunais-Administrativos.pdf

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