De Amplo a Residual - a Tónica do Art. 4.º n.º1 alínea o) do ETAF

     No respeitante ao diagnóstico dos pressupostos processuais dos quais depende a competência do tribunal para julgar a causa que é submetida à sua apreciação, cabe analisar, no caso em apreço, o da competência em razão da jurisdição. Aditando ainda que este balanço é feito ainda no âmbito da competência em relação da matéria, hierarquia e territorial, contudo este ultimo aprofundamento não será alvo de reflexão neste momento. 

    O objeto de análise sub iudice passa pelo âmbito da jurisdição administrativo e fiscal, que tem como instrumento legislativo base o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF em diante), mais precisamente, o seu art. 4º cuja epígrafe é “Âmbito da Jurisdição”. 

    Irei canalizar esta análise para o Art. 4.º n.º 1 alínea o) do ETAF, que regula que “ Compete aos tribunais  da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas (...) relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.”.   

    Bem sabemos que é da competência dos tribunais judiciais julgar todas as causas, cujo conhecimento a lei não atribua a outros tribunais, como é o caso dos tribunais administrativos, que têm competência para dirimir os conflitos emergentes das relações jurídico administrativas[1]. 

    Em primeiro lugar, creio que seja importante mencionar algumas orientações quanto à expressão “relações jurídicas administrativas e fiscais”, para melhor entendimento. 

    No entendimento do Professor Mário Aroso, estas relações são jurídico administrativas quando lhe sejam aplicáveis as normas que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais a todos ou alguns dos seus intervenientes por razoes de interesse publico, não se colocando no âmbito das relações privadas[2]. 

    Em segundo lugar, o Professor Paulo Otero menciona que uma relação jurídico administrativa é composta por situações jurídicas e a sua concretização vai acabar por envolver o desencadeamento de um procedimento administrativo[3]. 

    Em terceiro lugar, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa bem como o Professor André Salgado de Matos, entendem que o direito administrativo é o direito comum da função administrativa, o que significa que ele não regula apenas a atuação da administração pública em sentido orgânico, mas regula, para além disso, a atuação de todos os sujeitos jurídicos, ainda que não integrantes daquela, que exerçam a função administrativa e ainda a atuação de todo e qualquer sujeito jurídico, quando na medida em que se mescle com o exercício da função administrativa[4].

     Por fim, no AC.  Processo 08/11 de 12 01 2012, foi entendido como sendo uma relação jurídica administrativa aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido[5].

    Retomando à analise do art. 4. do ETAF, aquando da leitura do mesmo, podemos dissecar que algumas disposições são mais caracterizadas por arestas restritivas enquanto que outras mais de índole ampliativo. A verdade é que, até por razões sistemáticas (é a ultima alínea do art. 4 n.º 1 do ETAF), o art. 4 do ETAF se limita a transparecer o alcance do critério do art. 4 n.º 1 alínea o) do ETAF.

    Efetivamente, há congruência quanto ao art. 4 do ETAF e ao critério de necessidade de uma relação jurídica administrativa. Ainda assim, não podemos atribuir uma reserva material absoluta , uma vez que são admitidas derrogações, com a única condição que a racio seja respeitada e a relação jurídico administrativa não fique completamente descaracterizada. 

    Concluo, seguinte a orientação do Professor Mário Aroso, que o art. 4 n.º1 alínea o) do ETAF é tipificado como uma norma residual e subsidiária.  Ou seja, só depois de analisarmos as situações que estão expressamente incluídas ou excluídas do Art. 4º n.º1 do ETAF é que atendemos se a situação pode ser incluída no Art. 4º n.º1 alínea o), de aplicação residual, reforçando a ideia da revisão de 2015, que tinha como intuito tornar transparente que o critério principal não reside na mera existência de uma relação jurídico administrativa ou fiscal.   



[1] AC.  Processo 08/11 de 12 01 2012 

[2] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição, Almedina, 2016, p. 173-174

[3] PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo Volume 1, Almedina, 2016, p.99.

[4] MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, tomo III, 2º edição, Lisboa, 2006, p.53. 

[5] AC.  Processo 08/11 de 12 01 2012



Bibliografia:

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição, Almedina, 2016


-PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo Volume 1, Almedina, 2016


-MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, tomo III, 2º edição, Lisboa, 2006



Inês de Jesus e Matos

N.º 61418

TA.Sub.1


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