Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo 02228/20.BEPRT de 23-06-2021
Em primeiro lugar cumpre assinalar que, no acórdão em apreço, temos um sujeito, ÁGUAS(...), S.A., que recorreu do despacho liminar proferido pelo tribunal administrativo e fiscal do porto em 24.02.2021, que julgou verificada a existência de uma exceção dilatória de incompetência em razão da matéria e, consequentemente, declarou aquele tribunal, na jurisdição tributária, incompetente para conhecer da ação judicial tributária para reconhecimento de interesse legitimo em matéria tributária, intentada contra J., na qual pediu o reconhecimento do direito de A. a cobrar a quantia de 3.174,81€, pelos meios comuns permitidos, a título de taxas de instalação do ramal e de obrigatoriedade de ligação à rede pública de saneamento.
A recorrente alegou que não se aplicava o presente no disposto no art.º 4.º, n.º 4 da al. a) do ETAF, por não estar perante litígios emergentes de relações de consumo relativas a prestação de serviços púbicos, incluindo a respetiva cobrança coerciva. Alegou ainda que pretendia o reconhecimento da existência do direito da recorrente a sujeitar a recorrida à obrigatoriedade de ligação e pagamento das taxas inerentes, uma vez que são taxas que assumem a natureza tributária, não se tratando de taxas de consumo, ou preços decorrentes da contratação dos serviços públicos de água e saneamento.
Para além disso, alegou que exerce poderes decorrentes do contrato de concessão de exploração e gestão de serviços públicos municipais de água e saneamento de (...), celebrado com a câmara municipal de (...). A autora atua na prossecução de um interesse público, munida de poderes de autoridade e praticando atos de gestão pública, exercendo verdadeiros poderes administrativos. Trata-se de um caso em que a concessionária tem autoridade para impor aos cidadãos a prática de um ato, a obrigatoriedade de ligação à rede pública de água e saneamento.
A decisão recorrida julgou procedente a exceção dilatória com base no facto de que o artigo 211.º da C.R.P. estatuir, quanto à competência de especialização dos tribunais judiciais, que os tribunais judiciais exercem a sua jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, em concordância com o artigo 40.º, n. º1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (lei n.º 62/2013, de 26/08) e com o 64º do C.P.C.
A competência dos tribunais administrativos e fiscais encontra a sua determinação no artigo 212.º, n.º3 da C.R.P., cuja redação determina a competência dos mesmos em função da existência de relações jurídicas administrativas e fiscais. Ora, o n.º 1 do art.º 4.º do E.T.A.F. vem concretizar essa mesma norma constitucional, tendo procedido o legislador, no artigo 4.º do E.T.A.F., à exemplificação das questões que podem ser objeto de litígio nos tribunais administrativos e fiscais. Por sua vez, a al. e) do n.º 4 do artigo 4º do E.T.A.F., na redação dada pela Lei n.º 114/2019, de 12/09, dispõe que estão “excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (...) a apreciação de litígios emergentes de relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essências, incluindo a respetiva cobrança.”
Ora, sucede que o tribunal considerou que se tratava de um caso em que existia um conflito relativo ao pagamento de custas pelo serviço de ligação à rede pública de drenagem de águas residuais promovido pela Autora, no âmbito de relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais. Destarte, o conhecimento do litígio em questão pertenceria à jurisdição dos tribunais comuns, excluindo-se do âmbito de jurisdição administrativa e fiscal, por força do artigo 4.º, n.º 4
Inconformada com a decisão, a autora recorreu ao Tribunal Central Administrativo Norte, por entender não estar em causa a aplicação o disposto na al. e) do n.º 4 do artigo 4º do E.T.A.F.
Ora, o artigo 212º, n. º3 da CRP determina que compete “... aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”
O n.º 1 do art.º 1.º do E.T.A.F. determina que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios compreendidos pelo âmbito da jurisdição previsto no art.º 4.º deste estatuto...”. Resulta da al. a) do n. º1 do art.º 4.º do E.T.A.F., que compete aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação de litígios que tenham por objeto “questões relativas a direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais”.
A al. e) do artigo supra indicado, consagra a exclusão da competência da jurisdição administrativa e fiscal em questões relativas à “apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva.”
Por fim, o art.º 49.º do diploma em questão, preceitua que compete aos tribunais tributários conhecer de ações de impugnação dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais; dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma; dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; e dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.
No caso em apreço, a Autora atua na prossecução de um interesse público, munida de poderes de autoridade e praticando actos de gestão pública, designadamente a ligação à rede pública de água e saneamento e impondo à Ré o consequente pagamento de determinada quantia pela instalação dos ramais. Não se trata de um contrato de prestação de serviços ao qual corresponde o pagamento de um preço, onde se incluem tarifas variáveis, mas sim do reconhecimento de uma relação jurídico administrativa anterior à eventual prestação de serviços. Do exposto, concluímos que se trata de um litígio emergente do reconhecimento de uma relação jurídico administrativa que, por sua vez, pertence ao âmbito de jurisdição administrativa e fiscal.
A decisão recorrida afigura-se errada, dado haver uma interpretação manifestamente incorreta do pretendido pela Autora e uma aplicação incorreta da al. e), do n.º4 do artigo 4º do E.T.A.F.
Destarte, o presente litígio em análise enquadra-se numa relação jurídica fiscal, uma vez que está em causa a legalidade, interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, sendo competentes os tribunais Fiscais.
Assim sendo, o presente tribunal não teve outra opção que não a de considerar que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, julgando procedente o recurso da Autora.
BIBLIOGRAFIA:
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23-06-2021, processo 02228/20.8BEPRT
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. N.º 3211/11.0BEPRT
Acórdão TCAN de 25/10/2013, proc. 2499/10.8BEPRT
Joaquim Caiado
N.º 63434
Turma: A
Subturma: 1
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