Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 4/2020, 7 de maio de 2020
Acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo nº 4/2020, 7 de maio de 2020
Quando falamos em delimitação do âmbito da jurisdição
administrativa procuramos perceber em que tribunal deve a ação ser proposta, ou
melhor, se a ação em questão deve ser intentada junto do Tribunal
Administrativo e Fiscal (TAF). Esta
matéria é regulada pelo ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais), no artigo 4º, contudo, esta norma pode ser derrogada por legislação
especial. O legislador pode distribuir os litígios entre o TAF e o tribunal
judicial de forma diferente, sendo o artigo 4º ETAF a norma a que se recorre
caso a legislação avulsa não determine qual o tribunal onde a ação deve ser
proposta. O artigo 212º/3 da Constituição da República Portuguesa também é uma
norma importante no que toca à delimitação do âmbito da jurisdição
administrativa, pois dispõe que os TAF são competentes para dirimir litígios
emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. O artigo 1º/1 ETAF
prevê que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de
soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos
litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos
termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”,
isto significa que é da competência do tribunal administrativo os litígios derivados
de atuações materialmente administrativas, praticadas pela administração
pública.
Posto
isto, vamos tratar de analisar um acórdão que uniformizou a jurisprudência,
atribuindo competência aos TAF na execução para o pagamento de coima em matéria
de direito do urbanismo, o que em sentido amplo se trata da execução
jurisdicional das decisões administrativas.
O acórdão STA nº 4/2020 de 7 de maio
2020 é um recurso que nega a decisão do TAF de Sintra, que se declarou
incompetente em razão da matéria para conhecer o processo de execução contra A,
por considerar competente o tribunal comum nos termos do disposto no artigo
152/1/a) CPTA. Nos factos a arguida mantinha em funcionamento um lar de idosos
num imóvel sem licença para tal, facto que ocorria desde pelo menos janeiro de
2016, tendo retirado benefício económico com a prática da contraordenação. Em
janeiro de 2017 a arguida, na qualidade de arrendatária do imóvel em questão
procurou pedir a realização de obras perante os serviços competentes da Câmara
Municipal de Cascais, e também a alteração do uso habitacional. Tendo sido rejeitada
não houve por parte da arguida a propositura de uma nova ação para a alteração
do uso habitacional do imóvel onde explorava o lar de idosos. Foi emitido um aviso
de Pagamento de coima pela Câmara Municipal de Cascais em abril de 2018, tendo
a arguida não pago. Como tal, o Ministério Público apresenta um requerimento de
execução de coima e custas perante o TAF a 7/01/2019.
Em 2016 houve uma alteração
legislativa no sentido de atribuir à jurisdição administrativa a competência
para apreciar impugnações judiciais de decisões da Administração Pública, que
apliquem coimas, no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violações de
normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. O art. 15.º, n.º 5,
do DL n.º 214 -G/2015, de 2/10, estabeleceu que essa alínea l) entraria em
vigor no dia 1 de setembro de 2016. O TAF de Sintra declarou-se incompetente em
razão da matéria uma vez que apesar de a ação ter sido instaurada a 7/1/2019, na
vigência da atual ETAF, constitui a última fase do processo de contraordenação
que foi instaurado antes de 1/9/2016 (ou seja, antes da lei entrar em vigor),
quando as TAFs não eram competentes para conhecer e apreciar este tipo de
impugnações ou execuções. O acórdão foi recorrido, tendo o tribunal entendido a
irrelevância da data de instauração da execução, contudo o acórdão fundamento
entendeu que o momento relevante para aferir a competência dos tribunais seria
o momento da possível impugnação judicial da coima.
Face esta contradição, procurou-se determinar
o momento da propositura da causa havendo, entre os acórdãos referidos anteriormente,
momentos diferentes a considerar para efeitos de competência do tribunal quando
está em causa uma contraordenação no direito do urbanismo. O tribunal de conflitos
decidiu que o momento relevante para aferir a competência de impugnações
judiciais de atos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de
urbanismo é a apresentação em juízo pelo Ministério Público sendo que, a partir
de 01.09.2016, nos termos dos arts. 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF, e 15°, n.º 5,
do CPTA, a competência pertence à jurisdição administrativa. Portanto, reporta-se
ao momento em que entra em juízo, tanto se trate de um recurso de impugnação de
decisão de aplicação de coima, tanto da execução do pagamento da coima.
O artigo 157º/5 CPTA estipula que
por se estar em causa um título executivo que foi produzido no âmbito de uma
relação jurídica-administrativa, a competência para execução da violação de normas
administrativas no âmbito do urbanismo cabe aos tribunais administrativos. No
caso, a petição executiva deu entrada em 7/1/2019, pelo que pertence ao TAF de
Sintra a competência para conhecer a ação.
Assim,
conseguimos perceber que o direito que regula o contencioso administrativo é algo
que se encontra em evolução constante, a alínea 4º/1/l do ETAF entrou em vigor apenas
em 2016, 4 anos antes da decisão deste acórdão. Há uma preocupação constante em
delimitar de forma clara o âmbito da jurisdição administrativa, encontrando-se,
contudo, como se verifica pelo acórdão analisado situações em que as fronteiras
são mais difusas. Esta preocupação tem como fundamento óbvio a garantia da
segurança jurídica para os particulares, para a Administração e para os demais
órgãos dos tribunais.
Sofia Simões, 58499
Bibliografia:
Almeida,
Mário de Aroso, Manual de Processo Administrativo, 5ª Edição, Almedina,
2021
Acórdão:
Acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo nº 4/2020, 7 de maio de 2020
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