A Delimitação da Função Legislativa e Função Política no Âmbito Jurisdicional Administrativo – Art. 4.º/3 al. a) ETAF
A Delimitação da Função Legislativa e Função Política no Âmbito Jurisdicional Administrativo – Art. 4.º/3 al. a) ETAF
No
âmbito da jurisdição administrativa temos, em suma, uma delimitação positiva e
negativa presente no art. 4.º do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais). Delimitação positiva esta que apresenta no art.4.º/1 e 2 ETAF um
conjunto de tipos de litígios que são especificamente do âmbito de tribunais
administrativos e fiscais e uma delimitação negativa presente nos nºs 3 e 4 do
mesmo artigo em que encontramos previsões de litígios que se encontram
expressamente excluídos do âmbito da jurisdição administrativa. Neste sentido,
surge o art. 4.º/3 al. a) do ETAF que exclui a apreciação de litígios que
tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função
política e legislativa, exclusão esta sobre a qual versa a seguinte análise.
Desde
logo, resulta da norma que não é possível impugnar diretamente atos
legislativos nos tribunais administrativos, são atos legislativos
respetivamente as leis, decretos-leis e decretos- legislativos regionais,
mediante o disposto no art. 112.º/1 da CRP (Constituição da República
Portuguesa). Logo, aferimos que um
decreto-lei aprovado pelo Governo não pode ser impugnado nos tribunais
administrativos, ainda que o Governo seja o órgão superior da administração pública,
art. 182.º da CRP, pois fá-lo ao abrigo da sua competência legislativa presente
no art. 198.º da CRP. Contudo, se ao se verificar o conteúdo desses atos e
estes contenham decisões materialmente administrativas, embora tenham sido
emanadas por ato legislativo, não serão desse modo uma manifestação da função
legislativa pois materialmente trata-se de decisão administrativa, que poderá
ser sempre impugnável nos termos do art. 52.º/1 e do art. 268.º/4 da CRP que
determina a impugnabilidade de todas as decisões administrativas
independentemente da forma.
Já
no que respeita à função política, a questão é mais complexa, aliás como nos
refere o acórdão do STA (Supremo Tribunal Administrativo) Proc. n.º 1214/05, de
05.12.2007 “(…) a jurisprudência do STA não tem sido uniforme quando se trata
de densificar o conceito de atos praticados no exercício da função política
(…)”. Surge então a questão: como aferir o que faz um ato, uma manifestação da
função política e, por isso, excluído do âmbito de apreciação dos tribunais
administrativos?
O
acórdão supra identificado define o que são atos políticos como aqueles que “têm
por objecto direto e imediato a conservação da sociedade política e a definição
e prossecução dos interesses essenciais da coletividade” e por isso a sua
apreciação fica excluída do âmbito jurisdicional por ser necessário fazer uma
apreciação do mérito dessas decisões, o que não compete aos tribunais.
É
de relevância, por exemplo, o acórdão do STA Proc. nº 0864/09 de 24.09.2009 em
que é suscitada a questão de se saber se o ato do Presidente da República de
marcação da data das eleições poderá ser qualificado com um ato administrativo.
O Tribunal chega ao entendimento que “O ato agora em causa constitui, assim,
manifestação do exercício, pelo Presidente da República, de uma das funções
primárias do Estado que é, a par com a função legislativa, a função política”
delimitando a função politica no mesmo sentido do acórdão de 2007, ou seja,
esta “(…) corresponde à prática de atos que exprimem opções sobre a definição e
prossecução dos interesses essenciais da coletividade, e que respeitam, de modo
direto e imediato, às relações dentro do poder político e deste com os outros
poderes”.
Por
sua vez, recorrendo à exposição do prof. Afonso Rodrigues Queiró[1],
este parece identificar os poderes soberanos conferidos pela Constituição através
do art. 110.º e, respetivamente, os atos que representam o exercício derivado
desses poderes e faculdades diretamente conferidas pela constituição como a
delimitação da função política, por um lado através das leis materiais
ordinárias e por outro através dos “atos políticos” ou “atos de governo”. Sendo
que, nesta lógica, apenas serão atos políticos, atos provenientes de entidades
dotadas de poderes soberanos, enquanto outros órgãos que, por não serem dotados
de poderes soberanos, não podem ser substancialmente considerados “políticos”, por exemplo, autarquias locais e
associações públicas, como entidades puramente administrativas.
Conjugando
então o entendimento jurisprudencial e doutrinal aqui identificados podemos
aferir que, será de facto um ato político aquele cujo objeto seja a definição e
prossecução de interesses essenciais da coletividade e conservação da sociedade
política, tendo sido esta a posição adotada pela jurisprudência, contudo, também
fará sentido delimitar a função política e o respetivo exercício político a
entidades com poderes de soberania conferidos pela Constituição, sendo que
outras entidades, nomeadamente inseridas na administração pública desenvolvem
uma atividade que resulta da lei (e não da Constituição), pelo que a sua
amplitude de poder está limitada pelo fim que prosseguem, o interesse público.
Em suma, enquanto a função política define quais são os interesses da coletividade,
a Administração, nas suas diversas vertentes, limita-se a prossegui-lo como fim
último da sua atividade, resultando, então, na exclusão do âmbito jurisdicional
dos tribunais administrativos a apreciação de atos políticos.
Bibliografia:
SILVA,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise,
Almedina, 2013
ANDRADE,
José Carlos Vieira de, Lições de Justiça Administrativa, Almedina, 2009
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2016
Jurisprudência:
Acórdão
do STA: Proc. Nº 0864/09 de 24.09.2009: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/801c26cb3cc8181c80257642003e71a3?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
Acórdão
do STA: Proc. n.º 1214/05, de 05.12.2007: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/4067039/details/maximized
Liane Fernandes
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