A competência da jurisdição administrativa para conhecer dos pedidos de decretamento de providências cautelares sob referência ao Acórdão nº 534/20.0BESNT-S1, do Tribunal Central Administrativo Sul. Aluno: João Victor B S Lima - nº 59560
No presente caso, temos um contrato de cedência do direito de utilização temporário e exclusivo de postos de amarração celebrado entre uma empresa local criada pelo Município de Oeiras e outra pessoa coletiva de direito privado.
A questão principal centra-se no pedido de decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que rescindiu o contrato entre as partes, bem como a alegada incompetência da jurisdição administrativa para analisar e julgar o caso em apreço.
A pessoa coletiva de direito privado, ora Oeiras Viva, alegou em sede recursal que o despacho outorgante de competência à jurisdição administrativa era ilegal, uma vez que o contrato em causa não tinha qualquer referência material ao regime do direito administrativo, apenas civil. Neste sentido, concluiu que o tribunal competente para dirimir o presente litígio em razão da matéria seria o Tribunal Judicial Comum.
Ainda, apresentou como base legal, de forma a fundamentar os seus argumentos, os artigos 211/1 e 212/3, ambos da Constituição da República Portuguesa, bem como o artigo 4º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Por outro lado, a recorrida, ora o Município de Oeiras, apresentou contra-alegações, especialmente justificadas, com relação à competência da jurisdição administrativa para julgar o litígio em questão.
Neste sentido, o objeto do recurso foi restringido em saber se a jurisdição administrativa é a competente para conhecer e julgar do pedido de decretamento da providência cautelar, referente ao contrato entre as partes.
Para melhor entendimento, faz-se necessário um enquadramento teórico da matéria, tanto das providências cautelares no contencioso administrativo, como da jurisdição administrativa em razão da matéria.
Em primeiro lugar, vale referenciar o conteúdo das providências cautelares e a sua aplicação, e relação, à contratação in casu. A tutela cautelar traduz-se numa ação paralela à a ação principal, em que o autor deduz pedido urgente de apreciação pelos tribunais. Destina-se, por sua vez, impedir que, durante a pendência do processo declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos graves. Tem seu regime previsto nos artigos 112 a 134, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e caracterizam-se pelos traços de instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade. Por outras palavras, estas características assim se denominam, respectivamente, porque exigem: legitimidade ativa e referência material ao processo principal (artigo 113/1, CPTA), ciência de que o tribunal pode revogar, alterar ou substituir a decisão de adotar ou recusar a tutela cautelar (artigo 124, CPTA) e, por fim, demonstração de que o que está em causa pode se verter em uma consequência muito mais gravosa, caso a providência cautelar não seja acolhida.
Em segundo lugar, importante é explicitar a matéria da competência dos tribunais administrativos. Como norma base e fundamental do ordenamento jurídico português, temos o artigo 212/3, Constituição da República Portuguesa, que nos diz que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações que tenham por objeto a solução de conflitos emergentes das relações administrativas e fiscais.
Quase como numa perspetiva de coligação, temos a regra do artigo 1º dos Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais que faz questão em reproduzir aquela norma da CRP, neste diploma legal. Desta forma, constitui regra geral para a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos a qualificação dos litígios como emergentes de relações jurídico-administrativas.
De volta ao Acórdão em questão, cabe-nos agora analisar a questão contratual existente, a fim de determinar se este instrumento deve ser caracterizado como fonte de relações puramente civis ou se consiste num sinalagma público-administrativo.
A Oeiras Viva é assinalada como pessoa coletiva de direito privado com natureza municipal, por ter sido constituída pelo próprio Município de Oeiras, com o intuito de prosseguir e garantir a gestão do Porto de Recreio de Oeiras e seus equipamentos. À vista disto, não poderia ser de outro modo, se não a detenção da totalidade do seu capital social por parte do Município, pelo que esta sociedade deve visar pela satisfação das necessidades coletivas e públicas.
Com base no que acima foi exposto, evidente é que foram atribuídos direitos à esta sociedade, com o desígnio de prossecução do bem comum, bem como que foi pautada, esta relação, em um contrato público, evidenciado pelo emprego do artigo 280/1, alíneas b e c, do Código dos Contratos Públicos. Ainda referente a este último diploma legal citado, cabe mencionar que a natureza privada de uma pessoa coletiva não impede que seja tomada como entidade adjudicante, ou contraente público.
O Tribunal Central Administrativo Sul acabou por decidir subsumir a questão à norma do artigo 4/1, alínea e, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, negando provimento ao recurso e enfatizando a competência dos tribunais administrativos para julgar este caso.
Vale fazer uma breve menção ao artigo 4/1, alínea e, do ETAF, com vista a fundamentar, ainda que razoavelmente, a decisão tomada neste Acórdão. Este artigo determina que compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação da validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos.
Por fim, não faria sentido, por tudo o que já foi demonstrado, desqualificar esta relação do âmbito do direito público, pelo que atribuir aos tribunais judiciais competência para dirimir este litígio seria, não mais, do que fonte de inconstitucionalidade, por preterição do disposto no artigo 212/3, CRP.
João Victor Beltrame Sawaya de Lima
Aluno nº 59560
4º ano A - Subturma 1
Bibliografia:
M. Aroso De Almeida, Manual de Processo Administrativo, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2020.
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, Coimbra,2020.
Maria João Estorninho, “Curso de Direito dos Contratos Públicos”, Coimbra, Almedina, 2012.
Acórdão Processo nº 534/20.0BESNT-S1: http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/1d95190a9dca75948025861000574c56?OpenDocument&Highlight=0,Jurisdição,Administrativa
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